‘Uma igreja unida pensa com clareza, ama com profundidade e avança com firmeza’
Primeiro sul-americano na liderança mundial da Igreja Adventista do Sétimo Dia, o pastor Erton C. Köhler destaca os desafios da missão diante da secularização e de perseguição religiosa aos cristãos, além das prioridades da denominação
Por Patricia Scott
Ele foi eleito o primeiro sul-americano a assumir a liderança mundial da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Esse marco histórico alcançado, há quase três meses, pelo brasileiro Erton C. Köhler, 57 anos, durante a 62ª Sessão da Associação Geral, realizada em St. Louis, Missouri, nos Estados Unidos. Nos próximos cinco anos, o pastor estará à frente da denominação como líder espiritual e administrativo de um movimento presente em mais de 200 países e com mais de 23 milhões de membros.
Em entrevista à Comunhão, o pastor Erton C. Köhler destaca os desafios da denominação e o avanço da missão. Ele ainda ressalta aspectos da secularização, da atual realidade urbana e da perseguição religiosa aos cristãos, como também a importância da unidade da fé com discipulado e evangelismo intencional sempre com o foco em Cristo e nas Sagradas Escrituras. Confira a seguir:
Qual é a principal prioridade da liderança mundial adventista hoje para o avanço da missão?
Nossa primeira vocação é simples e inegociável. Mantemos a mensagem do Evangelho inconfundivelmente clara e profundamente bíblica. Em outras palavras, alicerçados na Bíblia, e focados na missão. Os métodos podem se adaptar à cultura e ao tempo, mas a mensagem permanece cristocêntrica, profética e cheia de esperança. E como costumo dizer, quem tem muitas prioridades, não tem prioridade. Portanto, a missão não é um item entre tantos, é o centro organizador de tudo o que fazemos.
Primeiro, priorizamos o Evangelho eterno, o amor de Jesus e as Escrituras. Segundo, fortalecemos a comunicação, usando tecnologia e mídias de forma intencional para que a verdade seja ouvida acima de tanto ruído. Terceiro, discipulamos e capacitamos a próxima geração desde já, com os jovens como líderes e cocriadores da missão, não apenas espectadores. Quarto, alinhamos educação, saúde, mídia e igrejas locais para que cada ministério puxe na mesma direção que é fazer discípulos de Cristo. Por fim, medimos o impacto por vidas transformadas, não pelo volume das atividades. A Grande Comissão continua sendo nossa bússola: “portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos.” (Mateus 28:19,20 – NVI)
Como o senhor vê os principais desafios que a Igreja Adventista do Sétimo Dia enfrenta no cenário global atual?
Vivemos tempos em que a polarização grita e o equilíbrio sussurra, infelizmente. Precisamos sustentar a nossa convicção sem hostilidade e a unidade sem perda da nossa identidade. A secularização aprofunda a indiferença à fé. Hoje em dia, muitos já nem fazem mais perguntas religiosas. Nossa tarefa é falar com credibilidade às mentes modernas e às realidades urbanas, levando a sério a verdade, sendo honestos com as dúvidas, e visíveis no serviço.
Além disso, a saturação digital criou um mundo em que toda afirmação disputa segundos de atenção. O Evangelho precisa ser comunicado com clareza, caráter e compaixão, para ser reconhecido como uma boa notícia de verdade. A diversidade entre regiões vem acrescentando grande complexidade, enquanto uma mensagem imutável entra em contextos profundamente distintos. Desta maneira, por baixo de tudo está uma virada estratégica que precisamos continuar a fazer: sair de agendas movidas por eventos para culturas de discipulado, com projetos efetivos de missão, onde a fé seja nutrida por toda a vida, e não apenas em um fim de semana.
Como a liderança mundial trabalha para manter a unidade da fé em uma igreja global com culturas tão diversas?
Começamos no único centro seguro, as Escrituras. Primeiro, a Palavra ancora a nossa identidade e doutrina, guardada e protegida como o núcleo inegociável, mesmo se questões culturais e geográficas variem em situações não fundamentais pelo contexto. Segundo, respeitamos as realidades locais. Princípios são universais, imutáveis, mas a sabedoria pastoral é local, e temos um exército de pastores comprometidos na linha de frente missionária. Terceiro, resistimos aos extremos buscando o centro bíblico que edifica o corpo, em vez de fraturá-lo. “Para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e eu em ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste.” (João 17:21 – NVI)
Com isso, a unidade cresce onde se pratica a escuta perseverando na oração. Ouvimos antes de decidir. Desde os campos e instituições aos membros e seus representantes, confiando no Espírito que atua em todo o corpo. Continuamos de joelhos, porque a unidade é espiritual antes de ser estrutural. E seguimos nesse movimento global porque unidos somos mais fortes, vamos mais rápido e chegamos mais longe. Uma igreja realmente unida pensa com clareza, ama com profundidade e avança com segurança e regularidade.
Como a Igreja pode usar melhor as redes sociais e as mídias digitais para compartilhar o Evangelho sem comprometer sua identidade?
A missão lidera e a mídia acompanha. Começamos pelo “por quê”, “quem”, “quando” e “onde”, revelar Cristo convidando pessoas a uma comunidade de discípulos. Depois escolhemos o “como”. Excelência importa, não para impressionar, mas para servir à mensagem com clareza e dignidade. Nosso tom é tão importante quanto o nosso conteúdo respeitoso, honesto e nunca sensacionalista. Não estamos correndo atrás de cliques, estamos formando discípulos.
Em nossa estratégia de meios digitais, planejamos por resultados, não apenas por entregas. Precisamos sempre avaliar e responder: este conteúdo ajuda alguém a encontrar Jesus? Conecta essa pessoa a uma comunidade de fé viva? Conduz às Escrituras, à oração e ao serviço? Quando a mídia abre portas para a mentoria, pequenos grupos, estudo bíblico e compaixão, ela fortalece a identidade, em vez de borrá-la. As audiências digitais são boas, mas os discípulos digitais e reais são o maior objetivo.
Como a Igreja pode evitar o formalismo religioso e cultivar um cristianismo mais autêntico, profundo e relacional?
Ritual sem encontro vira rotina. Uma ligação viva com Jesus, Escrituras, oração e testemunho mantém o coração sensível e a missão pessoal. Saímos de programas para pessoas com nomes reais, histórias reais, e crescimento real semelhança a Cristo. A compaixão pelos vulneráveis mantém nossa fé honesta. Pois o serviço é a gramática do Evangelho. “Ele mostrou a você, ó homem, o que é bom e o que o Senhor exige: pratique a justiça, ame a fidelidade e ande humildemente com o seu Deus.” (Miqueias 6:8 – NVI)
A participação e o envolvimento é o antídoto para o formalismo e acomodação. Quando os membros servem, eles orientam e compartilham esperança, a igreja se torna uma comunidade de propósito, jamais uma mera agenda de eventos. Ensinar a identidade bíblica ancora essa vida em conjunto. Quando os crentes sabem quem são e por que são enviados, amam com mais profundidade, testemunham com mais naturalidade e crescem com mais constância.
Como a Igreja pode alcançar pessoas nas grandes cidades e nas culturas urbanas, muitas vezes indiferentes à religião?
O urbano também não vive longe do Evangelho, ele vive muitas vezes longe de uma razão crível para escutar. Por isso, aprendemos a linguagem da cidade e mostramos à cidade o nosso amor. Primeiro, construímos comunidades de pertencimento, pequenos grupos, amizades e presença que tornam a fé pessoal. Segundo, integramos saúde, educação e compaixão, para que a verdade se torne visível no serviço prático. Terceiro, desenhamos futuros para a próxima geração, estudantes, jovens profissionais e criativos como nossos cocriadores da missão urbana. A mídia estratégica, da tradicional à virtual, leva conteúdo consistente para lares e celulares abrindo portas para relacionamentos reais. Levamos a sério o conselho profético: “busquem a prosperidade da cidade para a qual eu os deportei e orem ao Senhor em favor dela, porque a prosperidade de vocês depende da prosperidade dela.” (Jeremias 29:7 – NVI)
Quais são os maiores desafios para a missão adventista em regiões onde há perseguição religiosa?
Nos contextos mais restritos, o amor começa com proteção, e a sabedoria precisa guiar cada passo. Hoje, mais de 380 milhões de cristãos enfrentam altos níveis de perseguição ou discriminação. O Pew Research aponta que, em 2022, 59 países, cerca de 30% dos avaliados, registraram restrições governamentais altas ou muito altas à religião. No período mais recente da World Watch List, 4.476 cristãos foram mortos por causa da fé, cerca de 3.100 na Nigéria, e quase 210.000 foram obrigados a deixar suas casas. A Coreia do Norte continua em primeiro lugar na lista de países mais perigosos para cristãos em 2025.
Nossa resposta é pastoral, cautelosa e prática. Protegemos pessoas em primeiro lugar, com uma comunicação segura, seguindo a confidencialidade e tendo planos de contingência. Mantemos a mensagem simples e fiel: Cristo, Escrituras, esperança. Fortalecemos líderes locais com treinamento, recursos e cuidado pastoral. Fazemos uma aproximação respeitosa com sabedoria, muitas vezes de forma discreta, usando da influência responsável e oração incessante. E nos preparamos para um crescimento paciente, confiando que o Espírito atua, às vezes em sussurros, não nas manchetes.
Na visão do senhor, quais regiões do mundo mais precisam de apoio missionário nos próximos anos? Por quê?
Continuamos focar onde necessidade, impacto e oportunidade convergem. Para manter os não alcançados no centro do planejamento, organizamos nossas prioridades em três janelas missionárias. Esta é uma moldura amplamente usada na Missão Adventista. Essa lente nos ajuda a direcionar pessoas, recursos e oração para os lugares mais difíceis e para as portas mais desafiadoras.
Primeiro, temos a Janela 10/40, alcançando os não alcançados no Norte da África, Oriente Médio e Ásia. Essa faixa do globo abriga cerca de dois terços da população mundial e inclui a maior parte dos povos menos alcançados. As 50 megacidades menos alcançadas estão todas ali. Dentre os desafios, incluem as sociedades de maioria muçulmana e outras grandes religiões, com restrições legais e sociais que exigem testemunho paciente, sábio e profundamente relacional. Nosso caminho é claro, fortalecer os crentes locais, enviar e treinar pioneiros da Missão Global, construir confiança por meio de saúde, educação e serviço, além de apoiar abordagens contextualizadas por meio de Centros de Missão Global especializados. Inclusive, para relações com muçulmanos, sul-asiáticos e budistas. Agimos com discrição, sempre protegendo pessoas e mantendo a nossa mensagem simples por meio de Cristo e das Escrituras.
A seguir, temos a Janela Urbana, alcançando as grandes cidades que moldam a cultura do mundo. Essa janela é global e cresce rapidamente. Hoje, existem 543 cidades com pelo menos um milhão de habitantes. Nelas, em média, há um adventista para cada 89.000 pessoas, enquanto a média mundial é um para cada 358. Quarenta e nove dessas cidades têm menos de dez adventistas, e 43 não têm nenhum. Por isso, a Missão para as Cidades e Centros de Influência Urbana são estratégias essenciais, criando pontos de contato holísticos e confiáveis, de educação para estilo de vida ao aconselhamento, escolas de idiomas, e iniciativas criativas de comunidade. Já existem mais de 300 centros ao redor do mundo plantando igrejas e formando pequenos grupos que tornem a fé pessoal um fruto duradouro no tecido urbano.
Finalmente, temos a Janela Pós-Cristã, alcançando sociedades secularizadas e pós-cristãs. Esta janela abrange grande parte da Europa, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e outros lugares onde a filiação e o crescimento da igreja diminuíram, sobretudo entre os mais jovens. A tarefa não é apenas enfrentar a indiferença, é reconstruir credibilidade provocando curiosidade. Nossa abordagem enfatiza o evangelismo relacional, apologética confiável, excelência em mídia e serviços que respondam às necessidades reais, saúde mental, comunidade, família e propósito. O Centro de Missão para Contextos Seculares e Pós-Cristãos capacita campos e igrejas locais para essa realidade, ajudando-nos a compartilhar uma fé bíblica e compassiva em ambientes céticos.
Em todas as três janelas, mantemos duas prioridades transversais. Primeiro, as realidades da migração e dos fluxos de refugiados, nos quais a compaixão e inclusão se tornam testemunho e necessidade. Segundo, temos os contextos de liberdade restrita, já mencionados, nos quais a abordagem discreta e o planejamento cuidadoso fortalecem os crentes sem colocá-los em risco. Em todos os casos, investir com sabedoria hoje molda famílias, igrejas e cidades por gerações, mantendo os não alcançados no centro de nossas decisões.
Em um mundo dividido por conflitos, intolerância e polarização, como a Igreja pode ser instrumento de paz e reconciliação?
A Igreja serve um mundo dividido conduzindo as pessoas ao único centro verdadeiro, o próprio Cristo. Mantemos juntas a convicção e a bondade, firmes na Bíblia e generosos com as pessoas. Vamos aonde a dor é real, por meio de saúde, educação e compaixão, para que a reconciliação não seja apenas proclamada, mas praticada. Rejeitamos os becos sem saída do extremismo criando espaços seguros o bastante para que perguntas sinceras recebam respostas sólidas. “Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus.” (Mateus 5:9 – NVI) Em tais espaços, onde a verdade e o amor caminham juntos, a cura acontece.
Que mensagem o senhor gostaria de transmitir aos membros da Igreja Adventista diante de uma sociedade imediatista, secularizada e marcada por valores invertidos?
Busquem a Deus em primeiro lugar. Que sua casa, seu trabalho, sua sala de aula, sua vizinhança e sua vida online se tornem lugares onde Cristo é visível. Permaneçam conectados a Cristo e sua igreja. A missão é um chamado em equipe. Invistam intencionalmente na próxima geração. Orientem, capacitem, abram portas. Sobretudo, falem da esperança, vivam a esperança, e levem esperança às conversas de cada dia.
Quero finalizar sendo bem direto quanto ao futuro que nos move. A nossa esperança tem um prazo de validade máximo: a proximidade da volta de Jesus. É por isso que vivemos e servimos com tanto senso de urgência. Somos o povo da bendita esperança. Olhamos além do ruído desta era para a breve manifestação do nosso Senhor. “Enquanto aguardamos a bendita esperança: a gloriosa manifestação de nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo.” (Tito 2:13 – NVI) Isto não é retórica, é nossa identidade e nosso cronograma. Planejamos com sabedoria e agimos com prontidão, porque o tempo é curto e as pessoas importam. E, enquanto avançamos, seguramos a linha que guia cada decisão e cada método. Preciso repetir, sempre alicerçados na Bíblia, e focados na missão. Que o Senhor nos encontre fiéis, unidos em oração e ação, proclamando Cristo com clareza e compaixão, até o dia em que Ele vier.
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